Luiza de Carvalho
A Amazonas Distribuidora de Energia, concessionária de serviço público pertencente ao Sistema Eletrobrás, saiu vencedora - ao menos num primeiro momento - de uma disputa travada com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A empresa, que alega o comprometimento do fornecimento de energia para todo o Estado do Amazonas, incluindo o polo industrial de Manaus, obteve uma liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região que suspende os efeitos da Resolução nº 347 da Aneel. A norma, na prática, reduz o valor do reeembolso, espécie de subsídio, recebido pela companhia à título de Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis dos Sistemas Isolados (CCC-Isol). O encargo incide sobre as contas de luz dos consumidores de todo o país para subsidiar as tarifas de energia na região Norte. A Amazonas Distribuidora afirma que a adoção de um novo procedimento de cálculo para a CCC-Isol promoveu um desequilíbrio financeiro no caixa da concessionária que deve alcançar os R$ 494,8 milhões até outubro de 2009.
Os procedimentos para a composição da CCC e seu gerenciamento eram regulamentados pela Resolução nº350, de 1999, que permitia que o reembolso recebido pela empresa correspondesse aos valores cobrados pela Petrobrás pelo combustível fornecido para a geração de energia na região. Em janeiro, a Aneel modificou os critérios para o cálculo do limite de reembolso da CCC-Isol, determinando que o pagamento considere o valor unitário do combustível, no caso óleo diesel, estipulado semanalmente pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A Amazonas Energia alega, na ação judicial, que a nova metodologia passou a gerar diferenças enormes entre o valor de combustível cobrado pela Petrobras à distribuidora e o valor efetivamente pago pela Eletrobrás, a título de reembolso. A empresa tenta suspender a parte da resolução nº 347 da Aneel que limita o valor do reembolso. Segundo dados do processo, isso fez com que a Amazonas Energia fosse notificada, em junho, pela Petrobras, para efetuar o pagamento dessa diferença referente aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2009, o que equivale a R$ 60,7 milhões, sob pena de suspensão do fornecimento, até que seja normalizada a situação.
O valor ainda não foi pago e a empresa alega que a dívida, até outubro, chegará R$ 494,8 milhões. De acordo com o advogado Gustavo De Marchi, do escritório Décio Freire & Associados, se a empresa tiver que pagar a diferença à Petrobras sem receber o respectivo reembolso da CCC-Isol, como ocorria antes, enfrentará inúmeros entraves ao desenvolvimento de suas atividades, comprometendo o fornecimento de energia elétrica para o Estado do Amazonas. Segundo ele, outro agravante é que a Amazonas Energia não têm condições de adquirir combustível de outro fornecedor por menor preço.
Em primeira instância, o pedido da empresa foi negado. O TRF, porém, concedeu a liminar por considerar a urgência do pleito, assim como a ameaça ao efetivo abastecimento de energia para a região Norte. O desembargador Daniel Paes Ribeiro, relator do processo, considerou ainda a edição da Medida Provisória nº 466, de junho de 2009, que tramita na Câmara dos Deputados e prevê uma nova sistemática para o reembolso efetivo do custo real de geração dos sistemas isolados. Com a liminar, o novo cálculo fica suspenso até o julgamento do mérito da ação.
A Aneel informou que já recorreu da decisão no próprio TRF. A agência argumenta que apesar de a MP nº 466 ter alterado significativamente os parâmetros da Resolução nº 347, as normas não possuem eficácia plena, pois de acordo com a própria MP, o seu conteúdo depende de regulamentação a ser elaborado por decreto presidencial e também por regulação posterior da própria Aneel. A agência afirma que enquanto não forem viabilizados esses mecanismos, as normas da mais recente resolução da Aneel sobre o tema continuam válidas. Procurada pelo Valor, a Petrobras preferiu não se pronunciar por não fazer parte da ação.
Contexto
Localizados na região amazônica, os sistemas isolados não estão conectados ao principal sistema de fornecimento de energia do país (o sistema interligado nacional) e, dessa forma, quase não se beneficiam da energia hidrelétrica gerada no país. O sistema isolado atende 45% do território nacional e 3% da população, o que corresponde a 1,2 milhões de consumidores. Cerca de 73% da energia gerada no sistema isolado é proveniente de usinas térmicas que utilizam combustíveis fósseis - principalmente óleo diesel -, o que torna o custo de produção de energia mais cara e praticamente inviável para o custeio pelos consumidores, o que justifica o subsídio da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis dos Sistemas Isolados (CCC Isol), criada pela Lei n º 5.899, de 1973 e alterada pela Lei nº 8.631, de 1993. A CCC-Isol é arrecadada por meio da conta de energia de todos os consumidores finais do país, e segue para um fundo gerido pela Eletrobrás. Esta, por sua vez, repassa o reembolso à distribuidora para que ela pague o combustível fornecido pela Petrobras.