Laura Ignacio
Uma indústria mineira conseguiu no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região uma decisão que a autoriza a usar créditos do PIS e da Cofins para quitar quaisquer débitos administrados pela Receita Federal do Brasil. A empresa já havia obtido decisão favorável à compensação, mas recorreu para que os desembargadores esclarecessem se a compensação poderia ser feita inclusive para pagar débitos de contribuição previdenciária. O acórdão foi favorável ao recurso da empresa. Apesar de favorável, a fundamentação da decisão é criticada por advogados.
Com a criação da Super-Receita, em março de 2007, o órgão passou a ser responsável por tributos administrados pela Receita Federal - PIS, Cofins, Imposto sobre produtos Industrializados (IPI), Imposto de Renda (IR), CSLL - e aqueles anteriormente administrados pela Secretaria da Receita Previdenciária, como a contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com isso, as empresas esperavam que a legislação regulamentadora - principalmente, a Instrução Normativa da Receita nº 900, de 2008 - determinasse a possibilidade do uso de créditos de tributos federais para o pagamento de dívidas com o INSS. Como nada aconteceu nesse sentido, a saída tem sido o Judiciário. Já existem decisões que permitem a compensação de créditos previdenciário com débitos de outros tributos, na sua maioria, em prol de prestadoras de serviços que por terem longa folha de pagamento, acabam acumulando créditos previdenciários. Mas as indústrias querem o contrário: usar créditos de tributos federais para quitar débitos previdenciários.
Estas empresas possuem créditos do PIS e da Cofins de valor equivalente a 9,25% de seu faturamento. Entre as que mais acumulam créditos estão as exportadoras, por não serem tributadas quando o produto sai do país. No Brasil, há cerca de 20 mil exportadores. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, uma decisão judicial que permita a compensação com débitos previdenciários é uma alternativa bem-vinda para o setor. "É como se a empresa recebesse dinheiro e sem deságio, o que é o mais importante", afirma.
O TRF considerou uma decisão do ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fundamentada no artigo 66, da Lei nº 8.383, de 1991. O dispositivo afirma que, nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subsequente. Mas, advogados chamam a atenção para o fato de que o parágrafo único do mesmo artigo impõe que "a compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie".
O advogado Ricardo de Paiva Moreira, do escritório Colen, Goulart & Colepicolo Advogados Associados, que representa a empresa mineira na ação, afirma que já está preparando recursos, em outros processos, com base na decisão do TRF. "Vamos usar esta decisão como precedente judicial", diz. O advogado reconhece que a Lei nº 11.457, de 2007, veda a compensação de contribuições sociais. "Mas depois da criação da Super-Receita, todos os tributos estão sob a mesma administração", argumenta.
O advogado Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon, Mizabel Derzi Consultores e Advogados, também defende o direito à compensação. "A lei permite a vedação, mas a Constituição Federal, não", diz. "Sendo assim, só o Judiciário pode resolver isso", afirma. Quando a discussão chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), Santiago acredita que a corte será favorável às empresas que pedirem o reconhecimento do direito à compensação com débitos previdenciários. Isso porque o tribunal já proferiu várias decisões que permitem a compensação de precatórios com tributos, por ambos serem administrados pela União.
Mas alguns advogados preferem não usar a decisão judicial do TRF como precedente. O advogado Eduardo Kiralyhegy, do escritório Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados, por exemplo, diz não acreditar na tese porque o Código Tributário Nacional (CTN) diz que cabe à lei definir os critérios da compensação. "E há vedação expressa na lei que criou a Super-Receita", diz. Com o mesmo argumento, o advogado Luiz Roberto Peroba Barbosa, do escritório Pinheiro Neto Advogados, também contesta a tese. Além disso, Peroba afirma que a lei citada pelo TRF para fundamentar sua decisão, ao não permitir a compensação entre espécies diferentes, proíbe a compensação entre créditos de tributos federais e débitos de contribuição previdenciária.
O projeto de lei do Senado nº 699 quer legalizar essa compensação. O autor, senador Renato Casagrande (PSB-ES), explica que a ideia surgiu de diversas demandas do setor produtivo. "Tanto os recursos da previdência como os da Receita vão para a mesma contabilidade", diz. O PL está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.