Luciane Medeiros
As empresas ganharam um novo fôlego na corrida pela convergência às normas internacionais de contabilidade. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou uma deliberação na semana passada postergando a obrigatoriedade de apresentação dos Formulários de Informações Trimestrais (ITRs) de acordo com as novas regras. Elas estão liberadas de apresentar seus balanços trimestrais do exercício 2010 segundo os pronunciamentos contábeis divulgados durante este ano.
A CVM anunciou no início de 2009 seu plano de trabalho conjunto com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Segundo o gerente de Normas Contábeis da CVM José Carlos Bezerra da Silva, a previsão era concluir até o final de setembro a revisão dos princípios para completar a convergência às regras emitidas pelo IASB (International Accounting Standards Board), órgão responsável pela elaboração das normas do IFRS (International Financial Reporting Standard). Entretanto, três fatores ocasionaram o atraso no cronograma. A emissão do conjunto de normas sobre Instrumentos Financeiros, Demonstrações Consolidadas e Separadas e Resultado por Ação foi postergada em função do processo de revisão pelo IASB, ainda não finalizado. A revisão poderia alterar substancialmente as normas vigentes e que seriam aplicadas a partir de 2010.
Na esteira desse atraso, CVM e CPC resolveram antecipar para 2009 a emissão de diversas interpretações técnicas previstas para 2010, ampliando o conjunto de normas originalmente previsto. Outro motivo que levou ao adiamento da obrigatoriedade, explica Silva, foi a necessidade de emissão de algumas interpretações para haver uma adequada convergência também nas demonstrações individuais das companhias abertas, pelo menos no que diz respeito ao patrimônio líquido e resultado apresentados.
Além disso, a emissão final do conjunto de pronunciamentos, interpretações e orientações, da mesma forma que sua aprovação final pela CVM, será possível apenas no final do próximo mês, ou seja, dezembro. As próprias empresas, representadas pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), já haviam se manifestado pedindo uma mudança nas datas.
Silva lembra que algumas empresas enfrentariam dificuldades em adequar seus sistemas de contabilidade já no primeiro trimestre de 2010. “Para garantir que as demonstrações financeiras sejam elaboradas com segurança, os órgãos responsáveis optaram por adiar a obrigatoriedade de acordo aos novos padrões para as demonstrações trimestrais. Porém, foi mantida a validade para a divulgação dos dados referentes ao exercício completo de 2010, que ocorrerá no início do período seguinte”, destaca.
Opção deverá ser comunicada em nota explicativa
A deliberação anunciada pela CVM altera a obrigatoriedade de divulgação das informações intermediárias das empresas, feitas a cada final de trimestre, de acordo com os padrões internacionais. Para poder apresentar os formulários de Informações Trimestrais (ITRs), segundo o modelo adotado até este ano, as companhias abertas deverão atender a alguns requisitos.
De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários, elas precisarão divulgar o fato em nota explicativa aos ITRs de 2010 acompanhada de uma descrição das principais alterações que poderão ter impacto sobre as suas demonstrações financeiras do encerramento do exercício e, se possível, uma estimativa dos efeitos no patrimônio líquido e no resultado ou os esclarecimentos das razões que impedem a apresentação dessa estimativa.
As empresas deverão ainda reapresentar todos os ITRs de 2010, comparativamente com os de 2009, ajustados às normas de 2010, até a apresentação das demonstrações financeiras do exercício social iniciado a partir de primeiro de janeiro próximo. Segundo o sócio do departamento de Práticas Profissionais da KPMG Danilo Simões, as empresas devem analisar a conveniência de optar por adiar a entrega das informações de acordo com os novos padrões. Mesmo não fazendo a convergência no primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2010, elas terão que arquivar os três ITRs de acordo com os novos pronunciamentos do CPC na sua demonstração financeira anual referente ao próximo ano, ou seja, em 2011. “Para quem utilizar essa faculdade, serão seis ITRs ao longo do próximo ano: três no modelo atual e três no novo”, diz Simões.
Se por um lado as companhias ganham um tempo para adotar as medidas, por outro inevitavelmente terão que fazer os ajustes. Elas estarão empurrando com a barriga uma obrigatoriedade da qual foram liberadas temporariamente. Simões reconhece que provavelmente um grande número de empresas recorrerá a essa medida, uma vez que o processo de convergência envolve alterações profundas.
Brasil passará a conviver com demonstrações em dois padrões
A análise dos balanços e demonstrações contábeis durante o próximo ano será um trabalho complexo para os profissionais que lidam com os dados em sua rotina. “Teremos a convivência de duas normas brasileiras de contabilidade”, alerta a presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Ana María Elorrieta. A determinação da CVM prevê que as chamadas ITRs de 2010, que até então deveriam estar de acordo com as novas normas internacionais de contabilidade, possam ser apresentadas ainda conforme as regras válidas neste ano.
Essa duplicidade nos regramentos poderá gerar dificuldades e é um fator preocupante. Ana Maria considera que é necessário encontrar mecanismos que facilitem a convivência dos dois padrões, uma vez que existirão empresas divulgando seus dados já no novo formato e outras ainda com o padrão 2009. Será preciso um empenho para que as comunicações sejam realizadas de maneira clara.
A presidente do Ibracon compreende o argumento da Comissão de que era necessário conceder mais tempo às companhias para que elas pudessem elaborar com segurança suas informações para posterior apresentação. Nos próximos dias, o Instituto pretende realizar reuniões com a CVM no intuito de encontrar maneiras de facilitar a atuação dos auditores e demais profissionais.
Quantidade de normas dificulta adaptação
A convergência das normas brasileiras de contabilidade aos padrões internacionais envolve uma série de deliberações e pronunciamentos, elaborados pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis. Ao longo do ano, os dois órgãos vêm participando de uma extensa agenda de regulação, com deliberações, interpretações e minutas para dar conta da adaptação de um conjunto que envolve mais de 30 novas regras.
No intuito de permitir uma adaptação segura por parte das empresas é que foi tomada a decisão de adiar a obrigatoriedade referente à apresentação dos balanços trimestrais. “O objetivo foi permitir que as empresas tenham mais tempo de se preparar para as normas, já que é um conjunto grande de normativos. Houve um atraso, embora as principais normas tenham saído já ao longo do ano”, afirma o sócio da PricewaterhouseCoopers e membro do CPC Edison Arisa. Nas informações trimestrais, a empresa que não tiver condições de apresentar os dados de acordo com o novo padrão poderá fazer segundo o modelo adotado até 2009.
Arisa ressalta que, do ponto de vista técnico e contábil e em termos de análise de balanço, seria mais interessante ter as informações o quanto antes. “Por outro lado, é importante que elas possam ser transmitidas e preparadas com segurança.”
O tempo concedido ao processo de padronização, comparado ao estabelecido em outros países, coloca muita pressão sobre as empresas brasileiras. “A compatibilidade das normas brasileiras com o IFRS é agressivo”, diz o sócio do departamento de Práticas Profissionais da KPMG Danilo Simões. Países com mercados mais sofisticados concederam prazo maior, como o Canadá, por exemplo, onde a convergência valerá a partir de 2011 e os Estados Unidos, entre 2014 e 2016.
Na opinião do presidente do Ibracon 6ª Região, Sérgio Fioravanti, a nova orientação da CVM permitirá amenizar os trabalhos das empresas abertas, não alterando, entretanto, os esforços atuais pela padronização.
Setor vive período de profundas mudanças
A contabilidade brasileira vivencia uma época de alterações significantes na sua rotina, sendo a convergência às normas internacionais um dos principais pontos. As mudanças instituídas por meio da Lei 11.638/07 proporcionarão a padronização das práticas contábeis, trarão melhores controles e transparência nas demonstrações. Em um mundo globalizado, as companhias brasileiras terão melhores condições de competir no exterior. Elas farão parte do grupo de aproximadamente cem países que já adotam as normas internacionais para as empresas listadas em bolsas de valores.
“É um período de muitas mudanças”, ressalta o sócio da área de auditoria da Ernst & Young Américo Franklin. O próprio Iasb, explica, está fazendo a revisão em algumas normas com atraso. Ele diz que algumas empresas não se sentiram confortáveis em aplicar as normas e solicitaram à CVM que fosse dada uma postergação. Essa alteração no prazo não tira do contador o dever de se atualizar. “É um trabalho contínuo, independente de a CVM ter postergado a aplicabilidade temporariamente. Quando for fazer a demonstração no final de 2010, terá de ser tudo retroativo.” Ele lembra que, além de fechar o balanço de 2009 agora, as empresas precisam pensar nos novos normativos, faltando algumas questões.
O sócio da PricewaterhouseCoopers e membro do CPC Edison Arisa aconselha os contadores a analisarem cada uma das mudanças e a verificar o impacto das normas, pois elas podem atingir a empresa em um assunto ou mais. A análise deve ser feita com profundidade. “O mercado espera que a convergência seja feita de maneira uniforme, permitindo comparar os dados e facilitar o ingresso das companhias no âmbito internacional”, diz. O importante, segundo ele, não é julgar antecipadamente que as mudanças são simples, pois a verificação do material requer atenção.