Pedro Lívio
Recentes transações comerciais envolvendo o controle de empresas de capital aberto no mercado brasileiro acenderam a luz amarela dos órgãos reguladores. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) enviou um ofício à operadora francesa de telefonia Vivendi, que adquiriu 57,5% do capital da GVT, para esclarecer "alguns pontos" sobre a negociação, ainda não consolidada, apesar de anuência prévia da Anatel. O Tribunal de Contas da União (TCU) acusou o Banco do Brasil de não ter feito auditoria no Banco Votorantim, comprado pelo BB no início do ano.
Segundo a CVM, não há normas nem artigos da Lei 6.404 - a Lei Societária - que disponham sobre a necessidade de auditoria em empresas de capital aberto. "Não há uma determinação específica na legislação sobre a necessidade de realização desse tipo de auditoria, sendo a mesma decorrente de deveres e padrões de conduta impostos pela Lei Societária aos administradores de companhia aberta, tais como o dever de diligência", afirma em nota. Para Rodrigo Mello, especialista em Direito Societário pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), a alta pulverização dos papéis das empresas de capital aberto do Brasil atrapalha a vida dos acionistas minoritários, mas pode ajudar nos casos de empresas em que não há um controlador, ou seja, pulverizada, como é o caso da GVT.
Em negociações desse tipo, é comum nos Estados Unidos e também na Europa o uso de poison pills (pílulas de veneno, na tradução livre), em que os acionistas se reúnem e fazem uma mudança no estatuto da empresa para impedir que alguém consiga o controle, diz Rodrigo. Uma das ferramentas mais utilizadas, e que talvez a GVT tenha adotado, é a exigência do pagamento de valores acima do preço de mercado pelas ações, limitando a atratividade de um eventual comprador.
No entanto, há a possibilidade de eliminar a poison pill, desde que o comprador obtenha mais da metade do controle acionário a um preço atraente, sempre com base nos preços de Ofertas Públicas de Ações (OPA).
"Nesse caso, todos são minoritários, mas a poison pill nem sempre faz bem ao acionista e à empresa. Por exemplo, pode ser que a empresa tenha uma necessidade de captação de recursos e procure uma eventual venda ou mesmo uma oferta de ações, mas a reforma com o poison pill impede isso", afirma. "As poison pills são muito questionadas hoje no mercado brasileiro".
Conhecida ferramenta usada por quem não deseja a negociação no momento de mudança de controle da empresa, o tag along - que permite aos minoritários conseguirem pelo menos 80% do valor dos papéis em operação na Bolsa - permite ganhos maiores de acordo com o nível de governança da companhia listada em Bolsa. No caso das classificadas como Novo Mercado, o tag along é de 100% sobre o valor do papel, o que deve empurrar pequenos acionistas a procurar empresas assim.
Os minoritários não dispõem de muitos artifícios, segundo o professor do Mackenzie, Herbert Kimura, para defender seus interesses em casos em que há um controlador principal, como acontece na maioria das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). "Justamente por serem minoritários, a voz deles vale menos. A corda costuma arrebentar do lado mais fraco", afirma.
O tag along, para o professor, é a principal arma dos minoritários, mas a adição de novas regras dificilmente traria melhoras. "Por mais leis que você crie, o mau intencionado acaba criando outra para coibir. O ideal, em casos em que o minoritário acaba sendo lesado, é que haja punição efetiva pelo órgão competente".
O caso do Banco do Brasil, que comprou 49,99% do capital votante e 50% do capital social do Banco Votorantim em janeiro, pode ter sido mais uma ação estratégica do governo do que uma busca por um bom negócio. "Era um momento de intranquilidade do mercado por causa da crise financeira. A aquisição pode ter sido feita para acalmar o mercado. Veja o exemplo dos Estados Unidos. O Bank of America usou dinheiro do governo para comprar a Merryl Linch".
Mesmo assim, Kimura estima que o efeito de uma ação rápida, precisamente de uma empresa privada, na venda do próprio controle ou na aquisição de outra pode ser negativo. "Isso é one shot game. Pode ser que os controladores tomem uma atitude em benefício próprio e danosa à empresa, mas o mercado percebe. Isso vai se refletir na imagem da companhia e depois, no preço das ações."
Para Rodrigo de Mello, mesmo que a estratégia faça sentido, empresas listadas em Bolsa, como o Banco do Brasil, devem respeitar as normas do direito público e também do mercado de capitais, como a obrigação de cumprir o dever de diligência. "Há no mercado a prática de realização de auditorias em todas as transações, mas nenhuma lei obriga essa realização. No entanto, se ficar comprovada a quebra do dever de diligência, os administradores devem ser punidos", afirma.